Em 2019 fui convidado a palestrar no Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação Interdisciplinar em Sociais e Humanidades realizado no Centro Universitário Tiradentes em Maceió e propus que o tema fosse sobre “Saúde e Fake News”. Tive a grata oportunidade de compartilhar a Mesa com um grande camarada, Prof. Dr. Oscar Donovan Casas Patiño da Universidad Autónoma del Estado de México. Donovan palestrou sobre a mercantilização da saúde e eu encarei esse tema urgente que é refletir sobre os impactos das fake news na saúde pública.

O assunto não caiu bem de paraquedas (embora eu trabalhe com Avaliação de Impactos Ambientais e na Saúde), mas foi de uma genuína curiosidade surgida no twitter e que no fim das contas me levou a escrever um projeto para obtenção de bolsas de iniciação científica para meus alunos de graduação. Verdade seja dita, já tem um tempo que ando transtornado com o movimento pró-doença (os chamados anti-vacina, bando de ignorantes que beiram a criminalidade) e ao ler cada vez mais relatos das fake news não apenas na política, mas também na saúde, me pus a refletir e trazer essa reflexão para essa palestra.
Minha pergunta inicial foi relativamente simples:
Por que as pessoas acreditam e compartilham notícias falsas?
Primeira coisa para responder, acredito, é pensar que o raciocínio moral é afetado pela defesa contra posições contrárias. A consequência é que 3 hipóteses me surgem. Vamos lá:
- (H-1) Quanto mais moralizante o conteúdo da fake news, mais propício que seja disseminada a fake news de acordo com estereótipos morais;
- (H-2) A racionalização moral (e não o raciocínio moral) é afetado pelo conteúdo de fake news e influenciam na defesa contra posições contrárias reforçando um comportamento de menor resistência moral na divulgação de conteúdo identificado como falso;
- (H-3) Quanto maior o grau de defesa contra posições contrárias, maior a tendência de compartilhar fake news contra supostos adversários (cientistas em geral ou jornalistas, por exemplo).
Daí entre uma leitura e outra me deparei com algumas informações. Li no Estadão que as fake news têm 70% mais chances de viralizar que as notícias verdadeiras devidamente checadas e seu alcance é muito mais significativo (ESTADAO, 2018). E uma coisa particularmente chama a atenção: quem usa as redes sociais confia (e muito) em seu próprio juízo a respeito das fontes da informação e do conteúdo da notícia para a confiabilidade do conteúdo da notícia. O resultado é que o que chamamos de “racionalidade moral do usuário e consumidor de fake news” é retroalimentada pela defesa contra posições contrárias, ou seja, beira o inútil ficar discutindo no Facebook ou Twitter e daí é que vão compartilhar mesmo as fake news.
Um pesadelo esse mundo das narrativas (de conveniência).
Acho que a coisa é grave mesmo. Vejam, se a fake news é OK com as crenças e preferências do usuário de redes sociais, é como se os mecanismos de recompensa fossem acionados gerando uma espécie de sensação de bem estar. Sabe, algo bem prazeroso no fim das contas, como se recebesse um baita elogio e daí o resultado? Precisa ser compartilhado, né?! E defendido com todo o esforço.
Daí é um ciclo vicioso, ainda mais (reforço) numa época que o que importa são as “narrativas” e não as evidências. Daí minha implicância com os chamados “pós estruturalistas”.
Tem um autor que gosto bastante (Joshua Greene, autor do excelente livro Tribos Morais) que disse que o indivíduo na “Era das Redes Sociais” passou a ser bombardeado diariamente com informações que não são previamente checadas, mas também que por escolha moral não padecem de checagem dada a finalidade de atingir negativamente outras tribos morais, ou seja, grupos considerados politicamente adversários (e a saúde pública envolve política, óbvio). Esse livro é muito bom, recomendo demais sua leitura.
O movimento pró-doenças (ou que propagam picaretagens como MMS para “curar” autismo etc) que combate as vacinas, por exemplo, é completamente baseado em fake news. Em 2018 o Ministério da Saúde divulgou um vídeo que considero perfeito para se mostrar efetivamente as consequências desse movimento criminoso.
Relembrando os trabalhos de Joshua Greene e também de Jonathan Haidt (autor de A Mente Moralista, outro livro fantástico) a campanha do Ministério da Saúde busca acionar fundamentos morais como “Dano/Cuidado”, “Pureza/Santidade e mesmo “Pertencimento/Lealdade”.
E a preocupação do impacto das fake news na saúde pública já entrou na agenda do Ministério da Saúde como podemos ver no vídeo que deixo abaixo.
É uma época complicada, estamos no “olho do furacão” e sem uma educação digital disseminada e num período que o que vale é “a sua verdade” com o mesmo peso que uma pesquisa científica baseada em evidências, mas qual época não teve suas complicações?