Em “Desenvolvimento como Liberdade”,Amartya Sen (2000), associou diretamente à ideia de uma sociedade mais equânime economicamente, a premissa de que as liberdades (políticas, civis e econômicas) seriam fundamentais para sustentar o desenvolvimento. O índice de desenvolvimento humano (IDH), da forma como construído originalmente, não incorporou em suas medidas as condições socioambientais como parâmetros para “os níveis crescentes de bem-estar”. Uma das falhas mais significativas do IDH é comparável a falha do PIB e do PIB per capita: a ausência de uma variável ambiental no cálculo do desenvolvimento humano. E creio que todos devem concordar que saneamento básico e áreas verdes nas cidades fazem uma diferença danada na vida das pessoas, não?
desenvolvi um projeto de pesquisa para responder uma pergunta: cidades com melhor índice de desenvolvimento humano são cidades com menor déficit socioecológico? Essa pergunta veio, em parte, das minhas andanças e mudanças por diversas cidades brasileiras, experimentando toda a sua diversidade positiva e, claro, negativa. Chegando a cidades como Belém, Cuiabá, Porto Alegre, Recife, Maceió, Manaus entre outras, por via terrestre, aérea ou fluvial, me espantava muito as condições ambientais urbanas das cidades e como mantinham padrões negativos. O tema das “cidades sustentáveis” é um tema tão importante que sempre digo que ele está na sua frente, basta sair de casa (ou às vezes nem precisa sair de casa) para se deparar com a qualidade ambiental da cidade onde vive.
Imaginem: de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), entre 2007 e 2050, a população urbana registrará um aumento de 3,1 bilhões de pessoas. A coisa é séria mesmo, nossa economia é, eminentemente, urbana. As áreas urbanas concentram por volta de 80% da produção econômica entre 60 e, surpresa, 80% do consumo de energia e, aproximadamente, 75% das emissões de CO2”.
Na América Latina registra-se que: “75% da população vive em áreas urbanas, o que, em números absolutos, se traduz em 375 milhões dos 500 milhões de habitantes da região”. Dos quais, frisa-se, 120 milhões encontram-se abaixo da linha de pobreza. É isso mesmo, vivemos num planeta urbano ou, para ser mais preciso assim como foi Mike Davis, num “Planeta Favela” (livro fabuloso, leiam, sério, é fantástico). E no Brasil não foi nada diferente. Até porque somos um péssimo exemplo de desigualdade social e não dá pra tirar da conta.
Esse vídeo abaixo do Canal Futura acho ótimo, inclusive usei-o para lecionar uma disciplina de Tecnologia e Políticas Públicas no Mestrado Interdisciplinar em Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas
Tabela 1. Taxa de Urbanização para o Centro Oeste (CO) e Nordeste (NE) em Unidades Percentuais
Período | Taxa de urbanização CO | Taxa de urbanização NE |
1940 | 21,52 | 23,42 |
1950 | 24,38 | 26,4 |
1960 | 34,22 | 33,89 |
1970 | 48,04 | 41,81 |
1980 | 67,79 | 50,46 |
1991 | 81,28 | 60,65 |
2000 | 86,73 | 69,04 |
2007 | 86,81 | 71,76 |
2010 | 88,8 | 73,13 |
Fonte: IBGE
O modelo de urbanização (definitivamente) não planejada que vigora no Brasil e demais países da América Latina não pode nem minimamente ser associado a algo “sustentável”. Por exemplo, as áreas de vulnerabilidade social representam 52,43% dos domicílios ocupados da cidade de Belém, 15,76% em Manaus e 11,01% em Porto Alegre ou seja, só em Belém, metade da população reside em habitações precárias. E nem precisamos focar apenas na América Latina, qualquer cidade do mundo.
A razão é relativamente simples: as cidades absorvem os bens e serviços ecossistêmicos e devolvem ao meio ambiente seus rejeitos, a maior parte dos quais não tratados e que terminam por intensificar os impactos da própria urbanização nos ecossistemas.
Mas calma, acho que é possível alterar esse cenário de pesadelo. Primeiro passo seria incentivos pesados na coleta seletiva do lixo, especialmente através de algum mecanismos de incentivo econômico. Acho que mais um “comando e controle” como multa não resolve muita coisa. Outra forma que poderia ajudar esse cenário seria realmente o investimento significativo em transporte público e sistema de rodízio de veículos particulares. Vai resolver tudo? Certamente não, mas vai contribuir. E outra medida seria o fomento para arborização urbana. Aí poderíamos sentir muita coisa mudar, inclusive o retorno da biodiversidade e cidades com climas mais amenos. Por fim, revitalização urgente (seja apenas com investimento público ou público-privado) dos rios urbanos. Acho que a discussão sobre saneamento básico deveria ser prioridade em qualquer eleição e a revitalização dos rios urbanos prioridade. Mais saneamento básico, melhores índices de saúde e educação básica. A conta fecha. Simples. Daí, como resultado, devemos voltar ao início da reflexão nesse post e nos perguntar: quando chegarmos a essa dita sustentabilidade urbana, essa cidade sustentável será para quem?
É, eis a pergunta que não deve ser calada.
De toda forma, precisamos pesquisar mais sobre as cidades (que basicamente é onde vivemos, não é?!), falar mais sobre as cidades e vivê-las mais. Abaixo um vídeo