Há muito tempo cientistas políticos e sociólogos vem alertando do contínuo distanciamento entre eleitores e representantes. No final das contas, parte desse distanciamento é relacionado a própria qualidade democrática, especialmente condicionada nos graus de accountability no sistema brasileiro de presidencialismo de coalizão. Esse problema de accountability, tomado e dimensionado como um problema vertical e não necessariamente horizontal traz consigo, no seio de seu debate, a relação do principal – agent, já que a destituição do agent pelo principal é o fundamento do accountability, garantindo que os políticos não oprimam seus eleitores. E o que dizer, então, da pesquisa de opinião Datafolha que apontou que 85% dos entrevistados (1286 entrevistad@s) foram contra a aprovação do Código Florestal?
A pesquisa (que pode ser acessada aqui), com margem de erro de três pontos percentuais para mais ou para menos, foi encomendada pelas organizações Amigos da Terra -Amazônia Brasileira, IMAFLORA, IMAZON, Instituto Socioambiental, SOS Mata Atlântica e WWF-Brasil. Seu objetivo foi avaliar o conhecimento e opinião da população sobre os temas abordados na proposta para o novo Código Florestal. E, o que foi apresentado foi um verdadeiro disparate estatístico entre as preferências dos parlamentares e as preferências dos eleitores. Mais ainda: além disso, 83% apoiariam o veto presidencial à anistia dos desmatamentos ilegais realizados até julho de 2008, como sugere o texto do deputado Aldo Rebelo (PC do B). De cada 10 eleitores entrevistados, oito não votariam em um deputado ou senador favorável a essa medida.
Esse deslocamento é refletido realmente numa questão levantada por Raul Silva Telles do Valle, coordenador adjunto do Programa de Política & Direito do ISA: como pode 85% dos deputados apoiarem um projeto que é rejeitado por 85% da população?
Cenário que me faz refletir as raízes do déficit de accountability vertical (ancorada em uma noção hierárquica e responsiva entre eleitores e eleitos) na América Latina, majoritariamente constituída de democracias presidencialistas encontram-se efetivamente no desenho institucional. Um ponto importante para cimentar essa percepção é que a relação entre principal (eleitores), que só teriam condições de exercer accountability no momento eleitoral, e agent alicerça-se como condicional, fundamentada na possibilidade de destituição do agent pelo principal (fundamento da accountability).
E por isso da necessidade de uma reforma das estruturas internas partidárias, mas também das regras eleitorais. De certa forma, nesse sentido, vejo que a reforma do Código Florestal remete também à reforma política e a criação de mecanismos de maior participação popular. Para citar um caso dessa necessidade, um espectro que aponta que um sistema personalista desenvolve partidos enfraquecidos institucionalmente e um sistema fortemente centralizado gera partidos vigorosos.
Plenário da Câmara dos Deputados em Brasília – DF |
Da forma como foi feita, a reforma do Código Florestal atendeu muito mais os interesses particularistas e sem base científica de determinados grupos de interesse (o agro-negócio especialmente) do que uma avaliação ponderada de pontos que podem e devem ser modificados. Refletindo, inclusive, alguns pontos observados na pesquisa Datafolha: “a opinião geral de descontentamento sobre o tema é confirmada com 79% apoiando o eventual veto da presidente, no caso em que o Senado validasse a proposta da Câmara.”
A relação de accountability vertical entre eleitores e legisladores é crucial para o funcionamento da troca horizontal. Por exemplo, agências, operando mais sob restrição do que autonomamente, dependem de políticos que tanto as criam quanto as mantêm. Entretanto, pressupondo que os políticos são poucos responsivos aos eleitores, existiriam poucos incentivos para controlar o executivo e o legislativo. Típico arranjo derivado do desenho institucional.
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Senadora Kátia Abreu (DEM-TO) e Deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) |
Creio ser realmente necessária uma verticalização institucional responsiva, ou seja, em uma efetiva ligação maior entre os organismos eleitos e os eleitores, gerando uma necessária melhor distribuição de accountability, uma efetiva troca horizontal entre os agent (instituições) e os principals (eleitorado). A votação da reforma do Código Florestal me fez refletir bastante não apenas a absorção e aderência da agenda ambiental e a importância da mesma para a efetiva manutenção de um status produtivo da agricultura, mas também a ausência de mecanismos institucionais democráticos que não apenas contemplem a representação, mas também a participação.
Caro,Sua análise está errada porque a pesquisa do Datafolha foi comprada para dar o resultado que deu. A amostragem e o método de pesquisa ouviu uma amostra que reflete apenas parte da sociedade e não a sociedade. A opinião captada pela pesquisa foi a opinião do brasileiro urbano, a maioria já desligado de temas ligados ao campo.Não há problema de accountability na reforma do Código Florestal.A reforma reflete apenas os anseios de uma parte da sociedadde brasileira que vem ficando de fora da socciedade virtual, mas que ainda compoem a sociedade real.95% dos deputados estão a favor da reforma do Codigo Florestal porque a socieadde que elegeu os deputados estão a favor da reforma, embora haja uma fração da sociedade, urbana, que não se importa com as consequencaias da lei.
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Eu tenho cá minhas duvidas, Ciro. Porque se existe lobby pesado a favor de alterações substanciais no Código Florestal elas surgem do agro-negócio. Também duvido muito desse anseio generalizado pelas alterações do Código Florestal. O problema é que as alterações propostas especialmente na Câmara dos Deputados não são – de forma alguma – baseadas em critérios científicos. Passam longe disto, enquanto a proposta do Senado tem maior consistência. Mudanças no Código Florestal que possam permitir desmatamento desregulado podem resultar em efeitos perversos como erosão do solo (e o custo de recuperar é muito maior do que se houvesse critérios ambientais para o plantio), assoreamento e a perda de imensas áreas produtivas. Isto, duvido muito, não estava na pauta da Câmara, afinal, acreditam que desmatamento irracional e assoreamento de rios não causam problema algum. Sugiro, portanto, Ciro, que leia um livro chamado Colapso de Jared Diamond. Inclusive fiz uma resenha do livro aqui para o Poliarquias e veja se não há razão suficiente para preocupação da expansão de um agro-negócio predatório.
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